Tuesday, 14 December 2010

sexta-feira, 6 de Abril de 2010

Leucemia: crianças de laboratório!!! 

Abigail Breslin

                                                                    

«Salvei uma vida e criei outra», diz Esther!!! Não é uma frase que se ouça muito no dia-a-dia, mas é uma verdade que acompanha muitas famílias que enfrentam o problema da leucemia. Esta frase foi dita por uma mãe, no jornal El Pais, que teve outro bebé para salvar a sua filha Erine de 4 anos através das células estaminais da medula óssea. Estes termos podem ser difíceis de perceber quando não somos médicos, biólogos ou pessoas ligadas directamente às ciências médicas.
Devem estar a perguntar o porquê de eu ter escolhido este tema!!! Apesar de ser bióloga, não lido directamente com isso, ou pelo menos não deveria lidar, mas faz parte do currículo do curso de Biologia Marinha, a parte da genética molecular, e portanto depois de tanto estudar células, doenças e curas, começamos a interessar-nos verdadeiramente por estas áreas que não estão directamente ligadas com o nosso curso. Para além disso, no outro dia fiquei muito interessada em ver um filme que está precisamente em cartaz, “My Sister’s Keeper” (Para a Minha Irmã) – passo a publicidade – que fala precisamente sobre este tema. Ainda não vi o filme, ofereceram-me o livro que foi adaptado para este filme, e é sempre bom ler o livro antes, para ver se a nossa imaginação corresponde à “realidade” do grande ecrã.
Voltando ao tema, é preciso explicar algumas coisas científicas um bocado chatas para depois dar a minha opinião, ou melhor, pedir a vossa:
A leucemia é um tipo de cancro do sangue, que tem origem na medula óssea. Apesar de haver vários tipos de leucemia, todas são malignas. A melhor forma de explicar os princípios desta doença li-a há poucos dias neste livro que vos falei (e depois de tanto tentar memorizar estes termos técnicos para os testes, comecei realmente a amaldiçoar a autora por não ter escrito este livro mais cedo, a tempo de eu o ler e seguir para o teste, como grande entendedora em biologia molecular) e passo a citar, a analogia: “Pensem na medula óssea como uma creche para as células em desenvolvimento. Os corpos saudáveis fazem células sanguíneas que ficam na medula óssea até serem suficientemente maduras para saírem e combaterem doenças, transportar oxigénio, o que quer que seja a sua função. Numa pessoa com leucemia, as portas da creche abrem cedo de mais. As células imaturas acabam por entrar na circulação incapazes de cumprir a sua função.” Com isto acho que percebem o que acaba por acontecer a uma pessoa com leucemia. Quando se diz a um pai ou uma mãe que o filho tem leucemia, a primeira pergunta que lhes passa pela cabeça é: “ele vai morrer?”…pergunta estúpida esta – não quero ser presunçosa, mas todos nós vamos morrer um dia e sinceramente nós não queremos ouvir a resposta do médico, que normalmente é “não sei”…e estará com certeza a dizer a verdade. Depois de diagnosticada, seguem-se as sessões de quimioterapia – que até os leigos na matéria sabem que é aquele tratamento que nos deixa sem cabelo -, mas o mais preocupante não é o facto de não podermos fazer uma trança ou passar o cabelo para trás das orelhas, mas sim o facto deste tratamento matar todas as células que defendem o nosso organismo, as más e as boas, deixando-nos sem forças e com a possibilidade de contrair uma infecção com a coisa mais insignificante. Para além disso, diversas sessões de quimio afectam os órgãos, e esses também começam a dar o “badagaio”. É aqui que entra a procura do doador da medula óssea, de órgãos como rins e afins… normalmente procura-se em primeiro lugar no seio da família, e se desta ninguém for compatível, tem-se de recorrer àquelas listas de espera infindáveis para encontrar um doador compatível.
Depois desta aula de ciências que ninguém queria ter, passo à parte interessante…ou não, da questão. O problema é quando a criança com leucemia não tem irmãos ou estes não são compatíveis. Os pais têm uma nova opção, nos dias que correm, com o avanço da medicina: podem pensar em criar uma combinação exacta dos seus genes de modo a “fabricar” uma criança compatível e que possa ser o doador da irmã/irmão doente. Abro aqui um parêntesis para dizer que não quero de modo algum que entendam que sou contra devido ao termo “fabricar” que usei acima. Foi apenas a forma mais fácil que encontrei para mostrar o que é feito em laboratório nestes casos. A polémica, na maior parte dos casos, situa-se exactamente neste ponto. Nos dias que correm, as pessoas ainda não estão familiarizados com o termo clonagem, seja de animais, plantas, órgãos ou pessoas (que, apesar de também serem animais, são colocadas num estatuto mais elevado), nem aceitam o facto de haver pais que criam embriões em laboratório, sem o amor que envolve a concepção de uma criança ou qualquer outra razão mais romântica.
A grande maioria deve estar a pensar na pobre da criança com leucemia, que com todos estes tratamentos, passa a vida inteira no hospital a fazer transfusões e ligada a maquinas. É realmente uma pena, mas de momento vamos deixar a criança/leucemia em paz. Eu não quero discutir o sentimento dos pais, da criança, da sociedade quando escrevo este texto, quero sim discutir o sentimento do doador, da criança que foi concebida para salvar a outra. Confesso que até ler o livro, também fui uma culpada, não sei se o mesmo aconteceu convosco mas eu realmente sempre pensei na criança concebida como uma vitória, como a salvadora da pátria mas depois de ler o livro, a minha opinião balançou. Já não tenho tanta certeza dos adjectivos que sempre pensei…e é nisso que quero a vossa opinião.
Assim que a criança nasce, vamos chamá-la Vitória, será que a mãe vai olhar para ela com o amor por nascer, vai contar os dedos dos pés e das mãos para ter a certeza que é perfeita, ou vai pensar “cuidado com o cordão umbilical, estão lá as células estaminais que vão salvar a minha filha, levem-na para a transfusão”? E à medida que a Vitória cresce, é ela a princesa da casa? Ou só a amam porque é a heroína que salva a vida da irmã, ou só é chamada numa recaída para uma nova transfusão. Afinal a cada recaída – porque na leucemia ou em qualquer outro cancro isto pode acontecer – segue-se uma nova correria para o hospital com a criança doente ao colo, e se calhar na correria ninguém se lembraria que existe a Vitória se ela não fosse a doadora, a salvadora da pátria: afinal é preciso levar o banco de sangue também. À medida que a Vitória cresce será que alguém lhe perguntou se ela queria esta vida, se ela quer ser a doadora? Não me levem a mal, se alguém meu próximo estivesse doente e eu fosse compatível, eu seria a doadora, ia de olhos fechados, mas isso é uma decisão minha, eu decidi que quero ajudar, mas ela foi concebida para tal, ninguém lhe perguntou se queria ser bailarina, se queria morar na mesma cidade se queria fazer a faculdade noutra cidade…ela está presa a irmã, enquanto esta viver e precisar de uma transfusão, de um rim, a Vitória tem de permanecer presa à irmã. Pode-se dizer que ela também está doente, tem de ir ao hospital quase sempre ou sempre que a irmã for internada. Tem de abdicar de actividades boas ou más que possam prejudicar o seu sistema, pode ser forçada a não fazer actividades proibidas para pessoas que só tenham um rim, quando o outro é doado a irmã, e depois de tudo isso tem de viver num ambiente de fio de navalha ou corda bamba, sempre à espera de outra recaída, sem grande atenção por parte dos pais, porque estes, nem se fala, pobres coitados…
Queria realmente saber a vossa opinião sobre este caso, porque como já disse a minha está balançada e depois de ler este livro (que aconselho vivamente) já não tenho a certeza se a Vitória é realmente uma vitória ou se ela teve o azar de nascer naquela família, ou melhor dizendo, de ser “fabricada” in vitro para aquela família.

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